Escritor
Mia Couto ganha Prémio Camões
Sérgio C. Andrade - 27/05/2013, in Jornal PÚBLICO
Prémio, que tem
o valor de 100 mil euros, foi anunciado ao princípio da noite desta
segunda-feira no Rio de Janeiro.
O vencedor do prémio literário mais importante da criação literária da
língua portuguesa é o escritor
moçambicano autor de livros como Raiz de Orvalho, Terra Sonâmbula
e A Confissão da Leoa. É o segundo autor de Moçambique a ser
distinguido, depois de José Craveirinha em 1991.O júri justificou a distinção de Mia Couto tendo
em conta a “vasta obra ficcional caracterizada pela inovação estilística e a
profunda humanidade”, segundo disse à agência Lusa José Carlos Vasconcelos, um
dos jurados.
A obra de Mia Couto, “inicialmente, foi muito valorizada pela
criação e inovação verbal, mas tem tido uma cada vez maior solidez na estrutura
narrativa e capacidade de transportar para a escrita a oralidade”, acrescentou
Vasconcelos. Além disso, conseguiu “passar do local para o global”, numa
produção que já conta 30 livros, que tem extravasado as suas fronteiras
nacionais e tem “tido um grande reconhecimento da crítica”. Os seus livros estão,
de resto, traduzidos em duas dezenas de línguas.
Do júri, que se reuniu durante a tarde desta
segunda-feira no Palácio Gustavo Capanema, sede do Centro Internacional do
Livro e da Biblioteca Nacional, fizeram também parte, do lado de
Portugal, a professora catedrática da Universidade Nova de Lisboa Clara
Crabbé Rocha (filha de Miguel Torga, o primeiro galardoado com o Prémio Camões,
em 1989), os brasileiros Alcir Pécora, crítico e professor da Universidade de
Campinas, e Alberto da Costa e Silva, embaixador e membro da Academia
Brasileira de Letras, o escritor e professor universitário moçambicano João
Paulo Borges Coelho e o escritor angolano José Eduardo Agualusa.
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Também em declaração à Lusa, Mia Couto disse-se
"surpreendido e muito feliz" por ter sido distinguido com o 25.º Prémio Camões, num dia que,
revelou, não lhe estava a correr de feição. “Recebi a notícia há meia hora,
num telefonema que me fizeram do Brasil. Logo hoje, que é um daqueles dias em
que a gente pensa: vou jantar, vou deitar-me e quero‑me apagar do mundo. De
repente, apareceu esta chamada telefónica e, obviamente, fiquei muito feliz”, comentou o escritor, sem adiantar as razões.
O editor português de Mia Couto, Zeferino Coelho (Caminho),
ficou também “contentíssimo” quando soube da distinção. “Já há muitos anos
esperava que lhe dessem o Prémio Camões, finalmente veio”, disse ao PÚBLICO,
lembrando que passam agora 30 anos sobre a edição
do primeiro livro de Mia Couto em Moçambique, Raiz de Orvalho.
Bibliografia
Nascido em 1955, na Beira, no seio de uma família de emigrantes
portugueses, Mia Couto começou por estudar Medicina na Universidade de Lourenço
Marques (atual Maputo). Integrou, na sua juventude, o movimento pela
independência de Moçambique do colonialismo português. A seguir à independência,
na sequência do 25 de Abril de 1974, interrompe os estudos e vira‑se para o
jornalismo, trabalhando em publicações como A Tribuna, Tempo
e Notícias, e também a Agência de Informação de Moçambique
(AIM), de que foi Diretor.
Em meados da década de 1980, regressa à universidade
para se formar em Biologia. Nessa altura, tinha já publicado, em
1983, o seu primeiro livro de poesia, Raiz
de Orvalho.
Em 1986 edita o seu
primeiro livro de crónicas, Vozes Anoitecidas, que lhe
valeu o prémio da Associação de Escritores Moçambicanos. Mas é com o
romance, e nomeadamente com o seu título de estreia neste género, Terra
Sonâmbula (1992), que Mia Couto manifesta os primeiros sinais de
“desobediência” ao padrão da língua portuguesa, criando fórmulas vocabulares
inspiradas da língua oral que irão marcar a sua escrita e impor o seu estilo
muito próprio.
“Só quando quis contar histórias é que se me colocou este
desafio de deixar entrar a vida e a maneira como o português era remoldado em
Moçambique para lhes dar maior força poética. A oralidade não é aquela coisa
que se resolve mandando por aí umas brigadas a recolher histórias tradicionais,
é muito mais que isso”, disse, na citada entrevista. E acrescentou: “Temos sempre a ideia de que a língua é a
grande dama, tem que se falar e escrever bem. A criação poética nasce do erro,
da desobediência.”
Foi nesse registo que se sucederam romances, sempre na Caminho,
como A Varanda do Frangipani (1996), Um
Rio Chamado Tempo, Uma Casa Chamada Terra (2002 – que o realizador
José Carlos Oliveira haveria de adaptar ao grande ecrã), O
Outro Pé da Sereia (2006), Jesusalém (2009), ou A
Confissão da Leoa (2012). A propósito dos seus últimos livros,
o escritor confessou algum cansaço por a sua obra ser muitas vezes confundida
com a de um jogo de linguagem, por causa da quantidade de palavras e expressões
“novas” que neles aparecem.
Paralelamente aos romances, Mia Couto continuou a escrever e a
editar crónicas e poesia – “Eu sou da poesia”, justificou, numa referência às
suas origens literárias.
Na sua carreira, foi também acumulando distinções, como os Prémios Vergílio Ferreira (1999, pelo
conjunto da obra), Mário
António/Fundação Gulbenkian (2001), União
Latina de Literaturas Românicas (2007) ou Eduardo Lourenço (2012).
Nas anteriores 24 edições do Prémio Camões, Portugal e Brasil foram distinguidos dez vezes cada,
a última das quais, respetivamente, nas figuras de Manuel António Pina (2011) e de Dalton Trevisan (2012). Angola
teve, até ao momento, dois escritores citados: Pepetela, em 1997, e José
Luandino Vieira, que, em 2006, recusou o prémio. De Moçambique fora já premiado
José Craveirinha (1991) e de Cabo Verde Arménio Vieira (2009).
Criado por Portugal e pelo Brasil em 1989, e atualmente com o
valor monetário de cem mil euros, este é
o principal prémio destinado à literatura em língua portuguesa e consagra
anualmente um autor que, pelo valor intrínseco da sua obra, tenha contribuído para o enriquecimento do
património literário e cultural da língua comum. (Recolha feita pela Professora Elisabete Moreira)
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