A poesia, meu querido
Pina, ao contrário do que um dia a tua ironia deixou escrito num dos teus
poemas mais perfeitos, não vai acabar. Vai continuar a ser aquilo que foi a tua
vida: a celebração de uma beleza rara e inóspita, inacessível a todos os
aborrecidos que nunca nos vencerão, que nunca te venceram. Nunca te
esqueceremos. Plantaremos uma árvore em teu nome. Diremos um poema em teu nome.
Daremos estes dias em teu nome. Celebraremos o que nunca vamos esquecer: o teu
coração dedicado à poesia, aquilo que nunca se pode dizer, de tão frágil e mudo
que é. "Farewell Happy Fields". Neste momento, nenhuma palavra que
dissermos vale a pena. Temos apenas as tuas. Os teus versos, a tua beleza
incandescente, irónica, suave, amorosa. O resto são as nossas lágrimas, que
folheiam os teus livros, a nossa grande necessidade dos teus livros e de tantos
versos que decorámos para que a vida tivesse um sentido e acaba por não ter.
Escreveste "estávamos a precisar de solidão,/ de silêncio, de geometria/ e
as nossas lágrimas de uma grande razão".
Fico tão só, fico tão
triste, fico tão abandonado, ficamos tão abandonados, ficamos tão sós. Mas em
tudo o que escreveste fica a grandeza da nossa língua e a beleza rara e difícil
das coisas a que tu deste um nome. Contigo aprendemos quase tudo sobre a grande
arte. Aprendemos a medida do verso e a necessidade de nunca deixar de rir.
Aprendemos que nunca é tarde, afinal; que nunca deixarás de regressar às nossas
estantes, ao nosso coração, à leveza que nos mostraste, ao caminho no meio das
florestas. Aprendemos a esperar. Aprendemos a olhar. Aprendemos a ver em ti uma
honestidade belíssima e inimitável. Aprendemos que somos aprendizes da tua
capacidade de verificar a beleza das coisas e dos seus mistérios e que, às
vezes, eles se reduzem a um verso que se aproxima tão perto da beleza - que
queima, que nos deixa em transe sobre a terra, que fica gravado em qualquer
lado do nosso desespero, agora que partiste. Deixando-nos tão sós, tão sós, tão
perdidos, tão perplexos, meu amigo.
Testemunho do seu amigo Francisco José Viegas
Publicado em 2012-10-20
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