terça-feira, 23 de outubro de 2012

As nossas lágrimas folheiam os teus livros...


A poesia, meu querido Pina, ao contrário do que um dia a tua ironia deixou escrito num dos teus poemas mais perfeitos, não vai acabar. Vai continuar a ser aquilo que foi a tua vida: a celebração de uma beleza rara e inóspita, inacessível a todos os aborrecidos que nunca nos vencerão, que nunca te venceram. Nunca te esqueceremos. Plantaremos uma árvore em teu nome. Diremos um poema em teu nome. Daremos estes dias em teu nome. Celebraremos o que nunca vamos esquecer: o teu coração dedicado à poesia, aquilo que nunca se pode dizer, de tão frágil e mudo que é. "Farewell Happy Fields". Neste momento, nenhuma palavra que dissermos vale a pena. Temos apenas as tuas. Os teus versos, a tua beleza incandescente, irónica, suave, amorosa. O resto são as nossas lágrimas, que folheiam os teus livros, a nossa grande necessidade dos teus livros e de tantos versos que decorámos para que a vida tivesse um sentido e acaba por não ter. Escreveste "estávamos a precisar de solidão,/ de silêncio, de geometria/ e as nossas lágrimas de uma grande razão".
Fico tão só, fico tão triste, fico tão abandonado, ficamos tão abandonados, ficamos tão sós. Mas em tudo o que escreveste fica a grandeza da nossa língua e a beleza rara e difícil das coisas a que tu deste um nome. Contigo aprendemos quase tudo sobre a grande arte. Aprendemos a medida do verso e a necessidade de nunca deixar de rir. Aprendemos que nunca é tarde, afinal; que nunca deixarás de regressar às nossas estantes, ao nosso coração, à leveza que nos mostraste, ao caminho no meio das florestas. Aprendemos a esperar. Aprendemos a olhar. Aprendemos a ver em ti uma honestidade belíssima e inimitável. Aprendemos que somos aprendizes da tua capacidade de verificar a beleza das coisas e dos seus mistérios e que, às vezes, eles se reduzem a um verso que se aproxima tão perto da beleza - que queima, que nos deixa em transe sobre a terra, que fica gravado em qualquer lado do nosso desespero, agora que partiste. Deixando-nos tão sós, tão sós, tão perdidos, tão perplexos, meu amigo.
Testemunho do seu amigo Francisco José Viegas
Publicado em 2012-10-20

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